Crescendo em meio ao caos

Spirited Away  (2001)
 Antes de tudo: esse texto não é uma análise política ou social profunda, é apenas uma reflexão sobre a minha vida e o mundo que eu vivo.
 Acho que eu nunca conheci o mundo tão caótico quanto agora. Não que ele já não fosse antes: o mundo está sempre em caos de alguma forma, é inerente ao universo. Mas, nos meus mais-ou-menos vividos dezesseis ano, acho que nenhuma outra palavra resuma tão bem o período atual quanto "caótico".
 Eu não sei a primeira vez que senti que vivia em um mundo envolto por caos. Nasci e cresci nos anos 2000, especificamente 2002, em um período que eu chamaria de pós-tudo. Pós-guerras, pós-ditadura, pós-crises, pós-11 de setembro, enfim, pós-muita coisa. Minhas memórias dos anos 2000 são falhas e limitadas a mim e ao que havia ao meu redor, afinal, eu era criança, mas uma impressão que eu sempre tenho é o quanto o mundo parecia acabado, permanente, e não apenas na minha cabeça de criança, como para todos à minha volta.
 O mundo, no entanto, não é imutável, e eu passei a perceber isso à medida que eu comecei a crescer e o mundo começou a mudar.
 Lembro de 2013, um ano que parece bem distante agora. Foi o ano em que eu completei onze anos e entrei no começo da minha adolescência. Recordo-me vividamente dos protestos daquela época, pois foi a primeira vez que tive contato com uma manifestação daquela proporção. Já havia visto outras antes, claro, mas aquela foi diferente: Juntou muita gente, teve muita repercussão. Acompanhei tudo pela internet e televisão, e foi a primeira vez que eu comecei a me interessar por política, a tentar entender o contexto em que eu vivia de fato, mesmo com a minha visão bem imatura ainda. Contudo, não exalto o movimento de 2013 como algo muito bom: ele foi confuso, perdido em si mesmo. Mas eu não subestimo o marco que ele teve, pelo menos em mim.
 2014 e 2015 seguiram em um clima parecido. Eu estava nos meus doze, treze anos, lidando com todas as questões próprias da minha idade, mas também acompanhando o que acontecia ao meu redor, lendo, pesquisando, buscando o saber no geral. Não sei se em outro contexto eu buscaria por essas coisas, mas sinto que o período, de certo modo, exigiu isso de mim. Creio que não foi uma experiência isolada, visto a quantidade de pessoas da minha idade com quem eu tive contato que passaram por algo parecido. Não que isso seja ruim, pelo contrário: eu acredito que assuntos como política, sociedade, etc. devem debatidos e que esse debate deve ser estimulado, porque é bom para criar um senso crítico, entender as posições no mundo em que vivemos, entender o mundo em si. (Digo isso de um bom contato, que envolve leituras, análises e discussões, e não um pseudoguru virtual atacando um grupo ou outro) Ainda assim, acredito que esse interesse se deu, principalmente, pelas confusões que estavam surgindo e acontecendo, pela necessidade de entender aquilo tudo. De outro modo, não sei se teria acontecido.
 2016 e 2017. Catorze e quinze anos. Foram anos sofridos pessoalmente, na família e na escola, mas que ainda me trouxeram algumas coisas boas e aprendizado. Fora da minha vida particular, estavam acontecendo as eleições nos Estados Unidos, o impeachment no Brasil, crise política, todas essas coisas. Eu acompanhei com uma certa tensão esses momentos, falei ativamente sobre eles várias vezes. Política passou a ser um assunto mais frequente, impossível de fugir. Mas além disso, esses anos quebraram o mundo estável, ou o resquício que ainda existia dele, de todos os modos para mim. Foram anos tomados de caos, incertezas, complicações.
Agora, é 2018. Talvez o ano mais decisivo e incerto de todos que o antecederam. Vou direto para o grande ponto desse ano: ocorreram as eleições há bem pouco tempo, e elas foram longas, cansativas, medonhas. 2019 é uma interrogação. Eu realmente não sei o que esperar agora, desde o estranho e negativo poder que ascendeu esse ano (e que eu subestimei um pouco durante os anos de formação da onda), das brigas, aos absurdos ditos ou cometidos, que se tornam cada vez mais comuns. Já senti medo pela minha vida, pela vida dos meus amigos e pessoas em risco, pelo futuro, até pela minha escrita (não deixaria de escrever e me expressar nem se proibissem, só para constar). Ainda assim, tenho esperança na união e na força daqueles que lutam, criam, ajudam as pessoas, buscam e espalham o conhecimento nesses tempos obscuros.
 E eu, redigindo esse texto nesse momento, não sou uma pessoa acabada, nem uma pessoa que existe só em função do contexto caótico atual. Assim que eu terminar esse texto, eu devo estudar, ver um filme, falar com amigos ou algo assim, pois, mesmo que o grande mundo que eu vivo também afete meu dia-a-dia diretamente, a vida também acontece em microcosmos pessoais de conforto (e ainda bem por isso). Não sou a versão definitiva de mim agora, e nem quero chegar a ser: quero poder sempre evoluir, melhorar. Eu estou crescendo em meio ao caos no país e no planeta, e não posso fugir, até porque, assim como eu faço parte desse mundo, esse mundo louco faz parte de mim.
 No fim, como uma jovem garota brasileira que vive em tanta instabilidade, tudo que eu quero é que tempos mais calmos e pacíficos venham. Até lá, sigo tocando minha vida no caos.
"Melhor ser um porco que um fascista" - Porco Rosso, 1992
(Só para deixar claro)
-Mari, 02.11.18

10 comentários:

  1. preciso dizer primeiramente que amei muito esse texto e que ele causou um impacto bem forte na visão política que tenho agora, apesar de ser "apenas uma experiência pessoal". é que eu tendo a tirar mais proveito da experiência pessoal alheia do que da minha, por mais estranho que isso possa parecer.

    depois disso, ANTES UM PORCO DO QUE UM FASCISTA. eu vou muito rever porco rosso depois dessa dskfjksdf' saudades filmes da ghibli.

    agora, finalmente passando para um comentário interessante:
    eu me identifico um pouco com o que tu escreveu de uma forma que eu não vou conseguir explicar direito, mas é como se a gente tivesse vivido mais ou menos a mesma coisa. quer dizer, eu estou começando a me interessar aberta e vivamente por política somente nesse ano já que anteriormente todas as pessoas que eu conheci eram super ignorantes/grosseiras e eu ficava tipo "ai, eu não quero ser assim". mas sempre quis pesquisar a respeito - já que o conhecimento que eu tenho ninguém me tira e eu não preciso usar ele de forma babaca como grande parte das pessoas faz. recentemente tem se tornado extremamente necessário pra mim pesquisar sobre todas as coisas porque minha sede de conhecimento se direcionou para as fontes mais escassas (no caso as que eu menos conheço a respeito e tal -metaforinha top ok). assim como tu, eu não deixaria de me expressar através da escrita nem que desse cadeia, porque minha escrita é minha vida e viver sem ela seria o mesmo que não viver.

    é engraçado como eu me identifico extremamente com a tua vontade constante de evoluir! a ciência e a natureza que me livrem de ser uma pessoa completa, acabada, que chegou no ápice da sua evolução como serumaninho. apenas credo.

    e por favor, que a paz reine por agora!
    (eu não faço a mínima ideia quanto ao teor de sentido nesse comentário porque eu escrevi ele MUITO no hype e eu tava dormindo e talvez eu tenha tropeçado no meu raciocínio mas aaaaaaa intp problems)

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    1. (e sobre o if: É O MELHOR LUGAR DO MUNDO FAÇA PROVA PRO IF POR FAVOR)

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    2. Olá, Joana!
      Eu fico feliz que o meu texto fez você refletir a a ♡ (e não é estranho tirar mais proveito de experiências alheias pq eu também faço isso KNOJKINL)
      Muita gente é bem rude quando se trata de política (ainda mais nesse momento) e isso pode afetar bastante mesmo :^/ A maioria das pessoas a minha volta nem ligavam para política (e ainda não ligam) então eu adentrei o assunto sem muito medo;; Eu sinto essa necessidade pelo conhecimento também, acho que isso me motivou com política inclusive
      estar sempre evoluindo é sempre bom ♡ evoluindo e buscando a paz
      (eu vou fazer prova para o if!!!)
      Abraços ♡

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  2. eu tenho dez anos a mais que você. e adorei ler a perspectiva histórica que você tem: convivo com adolescentes e crianças e só agora que me toquei que vocês não viram acontecer o 11/9. vocês não viram muita coisa, eu também não, e nós vimos muitas coisas também. cada um de um jeito, justamente por idade, local, interpretação... mas pelo jeito estamos com os mesmos receios e posturas parecidas para o "daqui para a frente". adorei isso do microcosmos, porque é verdade. eu pensei em algo parecido, mas o modo como você colocou deu um ânimo maior. e eu acho muito legal essa juventude que se apoderou da política tão cedo, acredito que muito por conta da internet. eu cheguei tarde na política, aos 17, e me apaixonei também.
    beijo e bons estudos, bons lazeres, boas sobrevivências e boa criatividade. você desenvolve muito bem seu pensamento.

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    1. Olá, Helen!
      Fico feliz por você ter gostado de ler minha perspectiva ♡ Muitas pessoas ficam chocadas quando pessoas da minha geração dizem não lembrar do 11/9 ou ter nascido depois, foi um evento muito marcante que a gente não pegou. Mas como você disse, a gente não viu muita coisa, mas já vimos muito e estamos vendo juntos agora, com visões diferentes mas receios compartilhados.
      Acredito que a internet contribuiu diretamente para esse contato de jovens com política, por facilitar a busca por informações e materiais, conectar as pessoas, ser acessível no geral, meus primeiros contatos mais a fundo com o tema foram na internet. Apesar dos defeitos, acho que a internet tem seus méritos por isso
      Obrigada pelos elogios e pelo comentário ♡
      Abraços ♡

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  3. Oi Mari!

    Primeiro, seu texto fez eu me sentir velha, porque EU LEMBRO do dia do 11 de Setembro - eu estava vendo Sailor Moon no Programa da Eliana e cortaram pra notícias do atentado. Na época eu só fiquei bem brava porque cortaram meu desenho, mas assim que meu pai chegou em casa e falou sobre como o acontecimento influenciou o emprego dele, eu percebi que a coisa era séria. Daí acho louco eu me lembrar tão nitidamente das cenas na TV e ler alguém dizendo que não viu acontecer. Coisas da vida (eu tenho percebido a cada dia mais como estou envelhecendo e tem sido um processo divertidamente bizarro, preciso dizer)

    Nós estamos estrando em tempos difíceis. Acho fantástico você observar o seu amadurecimento junto com a mudança social e histórica à sua volta. É importante, faz toda a diferença, porque isso nos atravessa e compõe o tempo inteiro! E compartilho das suas dúvidas, do seu medo, e assino em baixo: o tempo não volta e as pessoas não param, e vai ser difícil calar nossos escritores, pensadores e nosso povo num geral. Antes um porco do que um fascista, mas façamos bacon dos dois, porque estamos aqui pra isso, hahaha!

    Acho que pensando no nosso 'microcosmos' a gente pode alterar o macro, né? Seguimos vivendo :)

    Beijinhos e obrigada pelo comment no blog! Desculpa a demora pra retribuir~

    Obs: Pandora Hearts é uma série que começa um pouco boba/parada, eu acho, mas que de repente tem um plot twist magnífico, que me derrubou da cadeira quando li. Nesse ponto, recomendo! É uma série que vale a pena insistir um pouco mais, porque fica melhor depois ;)

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    1. Olá, Shana!
      Sempre que pessoas da minha faixa etária contam que eu não vi o 11/9 as pessoas costumam ficar meio chocadas com o tempo mesmo, foi um acontecimento bem marcante;;
      Creio que os períodos que vivemos sempre acabam nos compondo e nos influenciando de algum modo, nem todo mundo nota mas é observável.
      A união é importante nesse momento de medo, vai ser difícil calar tanta gente. E seguimos vivendo e tentando melhorar o macrocosmos que a gente habita, começando pelo micro inclusive
      E VAMOS FAZER BACON (mas só de fascista porque o porco é um animal legal)
      Obrigada pelo comentário ♡
      (Vou separar para ler Pandora Hearts hoje já! Obrigada por me lembrar ♡)
      Abraços ♡

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olá, o seu texto me chamou muito a atenção. Na verdade, me identifiquei imenso e, inclusive, durante estes dias tinha pensado em escrever algo muito similar... Esses pensamentos me invadem muito. Sou um nadinha mais velha, só que diria que eu sempre fui muito avoada em relação ao mundo.
      Costumava considerar a minha vida fosse super comum, achava que a grande maioria do mundo vivia como eu. Claro, sempre ouvia falar sobre os meninos passando fome em África, que havia pessoas mais pobres que outras, mas tudo isso me parecia de um outro universo. Acreditava ingenuamente que pessoas desfavorecidas tinham apoio de outras. Achava que a guerra era algo do passado, que apenas tinha lugar em livros de História, que nos recordavam dos erros cometidos em tempos distantes. Quando era ainda criança, a existência dos dinossauros e dessas guerras/ditaduras apresentavam pouco tempo de intervalo - nunca me passou nem pela cabeça que os meus avós, ou até mesmo os meus pais e tios, tinham presenciado alguns desses acontecimentos.
      Acreditava que nos dias de hoje os humanos facilmente se aceitavam uns aos outros, que com reuniões internacionais e cooperação o mundo seguia evoluindo, sempre do mesmo jeito, para a paz, um bem comum. Mas infelizmente não é assim.
      Só mais recentemente fui me apercebendo do quanto a minha ideia do exterior estava errada. De facto, tudo isso me deixa assustada.
      Nunca percebi nada de política. Nunca me interessei. Até recentemente. Com todos os acontecimentos recentes, é impossível ficar indiferente. Para o ano, votarei, porque já tenho idade. E só ao pensar nisto é que me apercebo do quão ignorante eu sou. Até à poucos meses, eu não sabia o que era a direita, ou a esquerda, ou o que fosse. Eu simplesmente não sabia. Nunca ninguém me explicou, também nunca perguntei. Nunca quis saber, porque pelo pouco que sabia, todos me pareciam ladrões, enganadores. Nenhum era bom. Pareciam-me todos iguais. Honestamente, a minha opinião é a mesma de antes de me informar: nenhum é bom. Acho que despertei. Afinal, o mundo não é perfeito. Mas há coisas que são piores que outras. Seguirei pelos caminhos que me parecem levar aos caminhos "menos piores"... Não sou do Brasil, mas tenho muitos amigos de lá e a situação das últimas semanas tem me preocupado imenso. Só desejo tudo de bom para vocês, e que, no final, se venha a confirmar que todas as ameaças de ódio foram apenas falácias não concretizadas.

      Força.
      Ani~

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    2. Olá, Ani!
      Essa sensação de que todo mundo vivia como eu era um pensamento que eu tinha muito também, e é muito comum. É estranho pensar que nossos avós, até mesmo nossos pais passaram por períodos de guerra e ditadura, quando parece um tanto distante da nossa perspectiva. Infelizmente, ainda há uma grande desarmonia no mundo :(
      Temos experiências diferentes em relação a política, mas é realmente difícil ficar indiferente na situação atual. Nenhum lado é perfeito, como você disse, acredito que o melhor é buscar o melhor ou o menos pior dos caminhos.
      Obrigada pelo comentário e por deixar sua perspectiva aqui ♡ Somos de países diferentes, mas andamos juntos e esperamos por um futuro melhor.
      Abraços ♡

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