Para onde vai o tempo?

talking heads - once in a lifetime
Letting the days go by...
 Um dia desses, eu acordei e era outubro. Não consegui acreditar. Por dias seguidos, chequei todos os calendários (gregorianos) possíveis: de casa, da rua, de papel, eletrônicos, com imagens de santos e outras bem menos santas, todos mesmo. Em todos, a mesma conclusão: é outubro, mês dez. Todos os meses antes desse escorreram, como eles costumam fazer: passam de pouco a pouco e se infiltram nos espaços mais ínfimos, algo que os sentidos não conseguem notar rapidamente; mas quando se acumulam sem ninguém ver, seus efeitos se tornam torrenciais, os pequenos capilares viram correntezas... enfim, o tempo derramou de uma só vez.
 Dois meses atrás, eu fiz dezoito anos. Três dias antes desse aniversário, eu fui trocar minha identidade. Em alguns rascunhos de agosto, eu escrevi essa atualização de documentos como algum tipo de momento de transição para a maioridade, com uma estranha prosa romântica sobre carteiras de identidade e atendimento público. Quando eu reli, percebi que ficou horrível e que nada nesse dia foi realmente especial, mas de vez em quando tenho essa sensação quando releio escritos antigos mesmo; esse foi só um pouco mais rápido que de costume. Por respeito a quem eu era há dois meses, eu guardei o texto. No fundo, eu ainda tenho o hábito de buscar na minha vida algum instante que eu possa marcar como um momento cinematográfico, onde tudo muda completamente. Não um clímax; eu ainda estou atrás de um começo.

talking heads - once in a lifetime
Time isn't holding up, time isn't after us, same as it ever was...
 Ah, faz sete dias que eu comecei a escrever esse post. Entre o último parágrafo e esse, há uma semana inteira. É mais da metade de outubro agora. Não lembro de quase nada do que houve de lá para cá, como se eu tivesse pulado os dias na minha memória. É estranho, mas acho que eu não perdi nada de muito importante dessa vez. Lembro vagamente de estar triste, de discussões cansativas e de ficar frustrada por perder duas vagas de emprego. Ás vezes, perder certos dias e meses parece ser melhor, é anestésico, viciante até. O que dói mais é o depois. É despertar com a mente vazia, o corpo dormente, a casa em chamas e a repentina e estranha percepção das consequências por todos os lados. Não saber o que fazer nessas horas é o que dói. 
 Eu estou sempre perdendo. Cresci em relógios corporativos acelerados. Cada milissegundo gravado ou esquecido da vida está sendo convertido em dinheiro, até mesmo aquele tempo ocioso, ou o tempo de escrever uma opinião qualquer em uma rede social. Claro, o dinheiro não é seu e nem meu. Mas tanto faz, pois estamos todos correndo contra os ponteiros para produzir, ganhar, chegar... aonde mesmo? Sei lá. Eu estou perdendo agora, mas se você não está no topo do mundo, você também está, todo mundo está. É a mecânica do ponteiro, sempre a frente de nós, e nos iludimos achando que podemos ultrapassá-los. Mas mesmo sabendo disso, eu ainda tenho o sonho bem barato de ganhar, ganhar dos ponteiros e ir embora. Nunca saí do meu estado em dezoito anos, nunca cruzei nenhum fuso-horário. Mas quando eu for, não vou no tempo dos relógios. Não vou em tempo nenhum. Vou queimar os calendários.
Mari, escrito nos dias 15 e 22, publicado em 26.10.20.
(Ah, o blog fez dois anos no dia quatro de agosto. Feliz aniversário atrasado!)

2 comentários:

  1. Tambem me sinto assim em relação ao tempo, está acontecendo tudo rápido de mais! As vezes eu não consigo fazer post no meu blog por falta de ideias e de tempo também, espero que esteja bem!

    P.s. Feliz 2 anos de blog atrasado!

    Fluffy Glow ❤

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  2. Tudo que se perde é sempre o tempo, né? Com a pandemia e a quarentena, também não tenho mais visto os dias passarem, e nada parece ser diferente o suficiente para alterar meu enredo :(

    Limonada, blog pessoal

    Suvenir Literário, blog sobre livros

    Projeto Rata de Biblioteca

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